“Quem me dera tivesse asas que me levasse para algum lugar.
Que amenizasse as dores de um organismo debilitado pelas deploráveis aventuras da modernidade.
Num presente onde tudo é finito, o finito é infinito na velocidade da fuga para morte;
O amor, que era liberdade, passou a ser o temor da responsabilidade;
E o grande segredo da felicidade que parecia finalmente descoberto,
Foi devorado pela voracidade que tenta me dominar por completo.
Felicidade... Só poderei te encontrar quando não mais te procurar;
Em um poço de sua liquidez mergulhar,
Estabilizando essa transitoriedade que tanto me assusta.
Na interminável busca do meu verdadeiro eu,
Me ponho a fantasiar com plena realização,
Que no tempo em que vivemos só pode ser obtida através de algo palpável, instável, Derivada de uma grande idealização;
Daquilo que se projeta no pó, no concreto,
Que transforma minha realidade em distorção.
Uma dose de fumaça de teor estimulante para meu bel prazer,
Que a minha sociedade hedonista, sofista e capitalista insiste em me oferecer. Verdadeira invasão de meu cotidiano com um toque euforizante,
Que numa mistura de cores e sons, aos poucos acaba com os momentos bons.
Te convida para entrar, e te modernizar;
Te convida para gastar e se acostumar a se enganar.
Alucinar, errar, se adaptar e se despersonalizar.
A incoerência de seu âmago nos convida a desvairar.
Seus vetores ricos e elucidados revestem-se com peles de cordeiro.
De prazeres, só aquele alívio entorpecido da morte por um momento,
E meu sentimento emana a dor de minha ingratidão
E a falta de respeito próprio que me consome por inteiro.
Por incrível que pareça, meu ideal não é mais o dinheiro,
O pressuposto não é a arte, e o desamparo desse vazio faz parte
De minha busca insaciável de nem eu sei mais o que.
A mim o que resta é tentar sobreviver,
No meio de um turbilhão de superfluidades que nos acostumaram a conviver.
Destemer o vazio que não vai decrescer,
Nem será preenchido com droga nenhuma que posso adquirir e me entorpecer.
Meu medo não é mais morrer, talvez isso seja conseqüência.
Meu medo é parecer igual àquele padrão que a sociedade insiste em estabelecer.
Porém, pior que parecer igual é parecer diferente,
Expor seu ideal e ser julgado incoerente,
E não fazer mais parte dessa gente que tenta não desaparecer.”
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